Revista Literária

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Alguém Sabe



I

-Vem comer!

Eu estava no meu quarto totalmente aéreo e voava mais feliz que um pássaro que aprendera hoje a voar, quando ouvi minha mãe gritar chamando-me para jantar, e resolvi contar a ela o que estava acontecendo comigo:
- Não estou com fome, mãe. Na verdade acho que não conseguirei comer hoje, nem por muitos dias. Minha barriga está embrulhada. Parece que há algo dentro de mim.
- Você está passando mal?
- Talvez. Depende. Mas por enquanto estou passando muito bem.
- Então, por que você não quer comer? Nunca vi uma pessoa que passa bem, sem apetite na hora do jantar.
- Mãe, você não entende?
- Não, nem eu, nem ninguém entenderia.
- Estou apaixonado, mãe. Não consigo comer porque estou apaixonado.
- Agora sim, isso é insanidade, além de estar passando bem e não querer comer ainda está inventando palavras. É isso que você aprende na faculdade?
-Não, literalmente não. Todos sabem o que é paixão. Você não sentiu isso pelo meu pai?
- Não sei. Não posso falar sobre uma coisa que não sei o significado. Eu senti pelo seu pai o que eu sinto hoje e nunca deixei de comer por ninguém.
- Ah. Deixa. Tudo bem, depois eu como.

II

Não podia ler uma página sequer, via a televisão, mas não assistia, só pensava nela. Sim, estava apaixonado. Isso é paixão e das grandes. Nem sei o tamanho, mas sei as horas, eram as 3:00 da manhã e não conseguia dormir, quando meu irmão chegou, bêbado,em plena segunda-feira, e resolvi comentar com ele:
- Sabe quando uma pessoa te encanta?
- Sei.
- Sabe?
- Não.
- Então por que disse que sim?
- Pensei que se eu dissesse sim, o assunto estaria acabado.
- Você é idiota?
- Estou falando com você- insisti.
- Pensei que se eu ficasse calado, você entenderia.
- Você não se importa comigo?
- Sim, mas não às 3:00 da manhã e bêbado.
- Estou apaixonado.
- Han?! O que você anda lendo? Vamos dormir e para de criar idiotices


III

Minha última esperança era o meu pai, na verdade deveria ter perguntado a ele primeiro, para que meu último intento fosse com qualquer outra pessoa. No entanto, era o meu pai, ele podia saber alguma coisa, tentei:
- Pai, tudo bem?
- Quanto você quer?
- Não quero nada. Só quero te perguntar uma coisa. Posso?
- Pode.
- Você já se apaixonou por alguém?
-Filho, eu não entendo nada dessas coisas, sou engenheiro. Mas acho legal, você trazer para mim as matérias da faculdade. Não sei o que é dessa vez, mas quem sabe de outra.

IV

Eu disse que tinha tentado. Eu também faço engenharia, e não me deixe louco leitor, lá no fundinho você sabe o que estou falando, não é possível que ninguém saiba o que estou dizendo. O que?! Devo falar de uma vez com ela? Bom, ainda bem que meu pai não foi minha tentativa final. Pelo menos, tenho você para me ajudar. Sim, sim. Claro. O que importa é que ela saiba, não é mesmo? Minha família só precisa conhecê-la um dia, ela é a única que deve saber o que eu sinto por ela. Veremos:
- Oi.
- Oi.
- Tudo bem?
- Tudo e com você?
- Também.
- Está quente, não?
- Sim. Nem parece inverno
(...)
- É, vou falar de uma vez, odeio essa tensão, esse silêncio nervoso, falas marcadas, onde não importa quem falou ou quem respondeu, a resposta vai ser sempre igual, um medo louco de falar o que sente de uma vez, tratar tudo como se fosse um jogo de estratégia. Não sei como, nem me pergunte por que, mas estou apaixonado.
- Por mim?