O retrato em branco e preto com teu rosto
colado ao meu preso em minha escrivaninha reserva um oceano de ar. Não
respiramos na foto, estamos intactos, como se buscássemos naqueles sorrisos de
outrora o eterno. Nosso segundo permaneceu engaiolado dentro do vidro que porta
o retrato em moldura colorida. Não vejo mais cor em nós dois. Só vejo a água
daquele mar em que nadamos nos meus olhos.
Lembro o momento seguinte ao flash, eu disse
que te amava e você não disse nada. Olhei os teus olhos e vi o mesmo que você
havia dito. Peguei o meu celular da mão do moço e fingi que não havia gostado
da foto, pedi outra. Ele tirou, sorri, te dei um beijo e disse que te amava
muito, você permanecia estática. Levantei correndo e fui em direção ao rapaz,
pedi mais uma foto. O homem fez o que pedi, sorri, te dei um abraço e disse em
teu ouvido o quanto te amava. Você era imobilidade. Levantei e você pegou firme
o meu braço.
Desvencilhei-me de tua força, cai com as mãos
no sapato rosa daquele senhor, olhei o desespero que se via em mim em seus
olhos. Titubeei o meu levantar e meio ajoelhado e lhe pedi mais uma foto.
Voltei ao banco e estava gelado, não
sorrimos para a lente. O flash deixou meus olhos revelarem o começo do desaguar
do rio que estava começando a nascer dentro de mim. Vi a sua beleza tão fria
quanto o cimento do banco. Levantei, e você agarrou o meu braço com força.
Olhei em teus olhos fielmente, você me pôs
no banco, levantou- se, agradeceu ao homem, pegou o celular e tirou uma foto de
minha tristeza. Foi em minha direção e deixou o celular ao meu lado.
Aquela foto sozinha tornou-se o retrato da
minha vida.