Revista Literária

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Liberdade e Putrefação


“(Urubuservando, a situação:
uma carraspana, na putrefação;
a lama chega até o meio da canela;
o mangue tá afundando e não nos dá mais trela!)” Chico Science


Não sou muito de crônicas policias não, mas é o que tem para hoje. Sendo você um morador do estado do Rio de Janeiro é impossível não estar atento ao fato de que alguns órgãos de segurança pública estão em greve, e não há melhor lugar para nós darmos nosso pitaco positivo ou negativo com relação a este fato que no nosso querido e tão usado Facebook.

A rede social mais utilizada no mundo nos permite expor o que pensamos, sem o menor pudor e com total liberdade, ótimo, não? Maio de 68! Governo de Allende! Tropicalismo! Doce ilusão comunista, meus caros. O ser humano ganhou um muro online para por o que lhe convém. No começo tudo foi bem calculado, mas com o tempo desandou, né? Da mesma maneira que um rato sai do buraco atrás de um queijo, no princípio ele pega um pequeno pedaço, depois outro, no dia seguinte chama outro rato, após uma semana não haverá mais queijo, somente ratos e o que eles farão sem comida?

E aí, meus mesmos caros que sorriram com a total liberdade e o fim do pudor me dizem que a polícia deve ficar em greve para sempre, como assim? Antes de qualquer coisa quero deixar bem claro que esse era um dos meus sonhos para uma sociedade perfeita, mas eu, no parágrafo anterior acabei de nos comparar com ratos e você provavelmente não se indispôs.

É duro, mas vamos um pouco à minha: imagine se um dia fosse decretado o toque de liberdade por uma semana a todos os terráqueos, ou melhor, imagine que começaria segunda-feira agora. No primeiro dia, a maioria das pessoas tentaria levar sua vida de forma normal, afinal todos nós somos livres, certo? Nada mudaria, até o momento que um resolver abusar da liberdade e faltar o trabalho para ir à praia, a loja não é dele, o chefe o trata como lixo, e já que tudo está permitido nada melhor que ir à praia, chegando lá aquele trabalhador percebe que boa parte dos barraqueiros tomou a mesma atitude que ele, e num ato de nervosismo diz que todos são vagabundos, quando de repente, a mãe de um dos garçons faltosos ouve, não gosta do comentário e lhe joga na cara a cerveja que ele tanto queria tomar. Uns banhistas tomam as dores da senhora, outros do rapaz e como em um passe de mágica se instaura ali uma briga de proporção grandíssima e simplesmente não há ninguém para coibir. Impossível demais? Crê realmente mais palpável que todos vivam em paz, e que tudo ocorra belamente? Ou simplesmente, você é um radical e quer que Darwin se corroa todo e veja uma seleção natural anarquista: só os mais fortes sobrevivem e conseguem se adaptar ao novo sistema? Eu quero muito acreditar que essa última foi uma proposta didática e que nunca passou pela cabeça de ninguém.

Os outros dias da “semana de liberdade” seriam basicamente como o primeiro; no segundo dia, os chefes arranjariam uma maneira de colocar os empregados para trabalhar, dar-lhes-iam armas para se defender das pessoas que finalmente teriam a chance de ter um Iphone ou uma camisa da Lacoste, os empregados iriam acabar vendo que eram superiores numericamente aos seus patrões, e na melhor das hipóteses prenderiam seus chefes, estaria promovida a vitória da classe oprimida! Até o momento que um da classe trabalhadora cansasse do espírito de grupo e lembrasse que se ele tivesse mais armas poderia vencer todos aqueles que eram aliados; no terceiro dia os sobreviventes lamentariam todo aquele caos, iriam procurar a fé,mas até mesmo os religiosos podiam tudo nessa semana, no quarto dia descrentes de tudo, tentariam estabelecer um diálogo entres eles,mas possivelmente não entrariam em acordo e acabariam se matando, no quinto dia, bom não haveriam nem quinto dia.

A capacidade autodestrutiva do ser humano em se relacionar é impressionante. Mas, então, o que eu proponho? Alienação? Deixar como estar? Claro que não! Proponho que busquemos nossas utopias possíveis, devemos lutar por educação crítica e de qualidade para que possamos entender que podemos nos autogerir, sem polícia, sem políticos, sem qualquer órgão repressor. Primeiro pensamos, depois caminhamos e logo em seguida damos uma corrida em busca da nossa salvação, pois nesse ritmo nem precisaremos de aquecimento global.

Eu sou apaixonado pelo ser humano, pela sua criatividade, diversidade, e até mesmo por esse dom de querer se foder, nem por isso preciso curtir a lama que suja nossos joelhos, nem muito menos compartilhar a putrefação que colore nosso convívio social, não pretendo me suicidar, e por isso sonho que um dia seja no mínimo diferente.